História dos Violões na Velha São Paulo ep.13

Olá, pessoal, muito bem-vindos! No último epsódio da nossa primeira temporada, vamos falar sobre o choro Recordação, de José Alves da Silva, o Aimoré

Aimoré Redenção da Serra 1908 – São Paulo 1979

Regional da Rádio Cosmos, Aimoré (José Alves da Silva); Garoto do Banjo (Aníbal Augusto Sardinha) e Petit (Hudson Gaia).

As atividades de Aimoré (1908-1979) na radiofonia paulistana foram variadas e intensas. No ano de 1934, executou o Choros nº1, de Heitor Villa-Lobos[1], na cerimônia de inauguração do Centro Social dos Sargentos da Força Pública[2], que foi irradiada pela Rádio Educadora Paulista[3]. Ele foi chefe do regional da rádio Cruzeiro do Sul, que contava com José Sampaio, violão; Santana, cantor; João Carrasqueira, flauta; e Mário Portela, violão tenor. Pouco depois, em 1941, organizou, a convite de Nicolau Tuma, diretor da Rádio Difusora, o regional da emissora, com Miranda, cavaco; Antoninho, clarinete; Ernesto, violão e Petit, que o havia recrutado no início da carreira, também ao violão. Na emissora também executava composições de Agustín Barrios e Francisco Tárrega. No ano seguinte organizou o conjunto regional da Rádio Piratininga, onde também tocava solos ao violão. Atuou ainda na Rádio América, dirigindo o regional desta emissora. Participou do regional da Rádio Record com Armando Neves (1947).

Na indústria fonográfica, deixou algumas gravações, transitando entre o repertório erudito e popular[4]. Em 1953, acompanhou Vanja Orico ao violão na trilha sonora do premiado filme O Cangaceiro, de Lima Barreto. Em 1958, trabalhou com Camargo Guarnieri na trilha sonora do filme Rebelião em Vila Rica, de Geraldo dos Santos Pereira e Renato dos Santos Pereira. A partir de 1950, começou a trabalhar como arquivista do Theatro Municipal, onde permaneceu por onze anos. Durante todo esse período, continuou como professor do instrumento, até o final de sua vida, sendo Francisco Araújo (1954) seu discípulo mais expressivo.

Apesar de toda esta diversificada e rica trajetória, Aimoré segue pouco conhecido, mesmo entre os violonistas. Ficou conhecido por ter feito dupla com Garoto e por uma composição, Choro Triste, gravada pelo violonista paulistano Antônio Rago (1916-2008) e pelo célebre músico Mário Zan (1920-2006)[5]. Aimoré sabia ler e escrever partituras e editou algumas músicas de Armando Neves[6]. Ao que tudo indica, o arquivo de partituras de Aimoré foi incorporado à Coleção Ronoel Simões. Ele fez parte do regional da Rádio Cosmos, com o trio formado por Garoto, no banjo e Petit e Aimoré, violões:


Festa da Garoa, segunda-feira no Santana[7]


[1] Depois da execução do violonista espanhol Sainz de La Maza (1929), foi a primeira vez que esta peça de Villa-Lobos apareceu nos periódicos consultados. É possível que Aimoré tenha sido o primeiro violonista brasileiro a executar esta peça em São Paulo.

[2] O Estado de São Paulo, São Paulo, ano LX, n.19777, 14 abril 1934, p. 5.

[3] Correio de São Paulo, São Paulo, ano I, n. 267, 24 abril 1934, p. 2.

[4] Gravou, por exemplo, com Guiomar Santos, sua aluna, um disco 78 RPM, com a Serenata, de Schubert; Romance sem Palavras, de Mendelssohn; Reverie, de Schumann e Minueto nº 39, de Mozart (1955). Mas, curiosamente, deixou somente um disco com suas músicas e composições de Armando Neves, Aymoré e Seu Violão, gravado tardiamente em 1959.

[5] Mário Giovanni Zandomeneghi, conhecido como Mário Zan, foi um acordeonista italiano radicado no Brasil, famoso por compor o hino comemorativo do IV Centenário da cidade de São Paulo. A música Choro Triste, composição de Aimoré e Sereno, foi registrada em 78 RPM, em 1950.

[6] As músicas Colibri, Galho Seco e Pinheirada, Rosas Orvalhadas, Amar em Segredo (todas pela editora Bandeirantes, na década de 1950), além do arranjo, seu e de Garoto, da valsa de Hudson Gaia (Petit), Na Luz dos Teus Olhos (Mangione, s.d.).

[7] Correio Paulistano, 26 de abril de 1935, p. 7.


Trata-se de uma obra significativa e esquecida. As músicas de José Alves da Silva merecem ser disponibilizadas e reabilitadas. São choros e valsas que representam muito bem o período rico em múltiplas influências pelo qual estes músicos estavam passando. Suas músicas são um exemplo da linguagem instrumental que músicos como ele, João dos Santos, Garoto — e tantos outros, que gravitaram em torno da modernidade trazida pela fonografia e radiofonia — desenvolveram, sendo uma das bases para o surgimento da bossa-nova.

É difícil apontar uma razão para o ostracismo de Aimoré, até porque a maioria dos violonistas brasileiros tiveram suas obras obliteradas e renegadas ao apagamento, não necessariamente por falta de qualidade musical[8]. Pode-se apontar o fato dele não ter persistido na tentativa de carreira no Rio de Janeiro, como fizera seu companheiro de dupla. Instrumentistas como Armando Neves[9] e Aimoré optaram por permanecer na capital paulista, provavelmente porque contavam com certa estabilidade, do que tentar a carreira na capital federal, como fizeram muitos músicos paulistas e das mais diversas localidades brasileiras. De qualquer forma, não havia espaço comercial para solistas de violão. A produção para violão solo destes artistas aconteceu em paralelo às atuações deles como acompanhantes e integrantes dos regionais.

Mesmo Garoto não atuou como solista de violão profissionalmente. Ele foi solista de cavaquinho, guitarra havaiana e violão tenor. Passou a atuar somente com o violão em 1953, dois anos antes de falecer, e com o apoio de Radamés Gnatalli, que incentivava seus solos e compunha obras para que ele interpretasse ao violão na Rádio Nacional, onde trabalharam juntos. A obra solo de Garoto só foi preservada graças ao olhar visionário de Ronoel Simões, que realizou diversas gravações do violonista paulistano executando solos em discos de acetato, possibilitando a reabilitação de sua obra para violão[10]. Devamos também ao Simões a possibilidade da recuperação de uma parte da obra de José Alves da Silva, o Aimoré.

Recordação é um choro tipicamente paulista: composto em duas partes, em forma ternária ABA, em tonalidade menor, mais lento que os choros cultivados na capital federal e que se firmaram na radiofonia e na fonografia brasileiras.


[8] Ver análise realizada pela pesquisadora Fernanda Pereira em sua dissertação de mestrado: PEREIRA, Fernanda M. C. O violão na sociedade carioca (1900-1930): técnicas, estéticas e ideologias. 2007. Dissertação (Mestrado em Música) − Programa de Pós-Graduação em Música. Escola de Música, UFRJ, Rio de Janeiro, 2007.

[9] Ver mais sobre a atuação de Neves na dissertação de mestrado PICHERZKY, Andrea Paula. Armando Neves: choro no violão paulista. 2004. Dissertação (Mestrado em Musicologia) − Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2004.

[10] Assim, foi através dos acetatos disponibilizados por Ronoel Simões que Geraldo Ribeiro pode realizar o trabalho de transcrição, edição e gravação de algumas obras nos anos 1980 e que Paulo Bellinati (1950) fez transcrições em partituras e registrou em disco vinte e quatro peças para violão solo nos anos 1990, pela editora Guitar Solo Publications (California).


FLAVIA PRANDO Escrito por:

Violonista, doutora e mestre em Música pela USP e bacharel em Música UNESP. É Pesquisadora no CPF-SESC e atua como regente da Camerata de Violões Infanto-Juvenil do Projeto Guri Santa Marcelina.

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