Histórias dos Violões na Velha São Paulo – Podcast | Temporada 2

Olá, pessoal, muito bem-vindos! Neste primeiro epsódio da segunda temporada, nós vamos tratar da obra Céu do Paraná, do compositor Leopoldo Silva.

Entre os rastros deixados por Leopoldo Silva, há um que ecoa com clareza: o nome de Antonio Giacomino, ou Lourinho, como era conhecido entre os músicos paulistanos. Discípulo direto de Leopoldo, Giacomino se destacou na década de 1930 como compositor de valsas e peças líricas, como a mazurca Crepúsculo, abordada no epsódio sete da nossa primeira temporada, registrada no álbum violões na Velha São Paulo, disponível nas plataformas de streaming.
A relação entre mestre e discípulo não ficou apenas na memória oral. Eles assinam juntos o arranjo da gavota Tu e Eu, composição de Alphons Czibulka, publicada no Volume 4 da coleção Violões na Velha São Paulo. Czibulka, músico austro-húngaro, foi autor de polcas, marchas e danças que fizeram sucesso nos salões europeus e latino-americanos no final do século XIX.

A gavota Tu e yo recebeu também uma transcrição do mestre paraguaio Agustin Barrios. Que essa música tenha sido escolhida para adaptação e publicada no circuito violonístico da cidade é significativo: indica como o violão se apropriava de um repertório que já circulava — nos pianos, nas gravações orquestrais, nos saraus, partituras impressas — e o reconfigurava a partir de outras práticas, de outras sonoridades.
Essa adaptação é mais que um gesto técnico. Ela aponta para uma lógica comum à prática violonística da época: absorver o que estava à mão — melodias estrangeiras, modinhas urbanas, trechos de ópera — e devolver em arranjos ajustados à escuta cotidiana, ao ensino e à performance local.

Entre os papéis que resistiram ao tempo, alguns manuscritos encontrados na Coleção Ronoel Simões foram atribuídos a Leopoldo Silva. Um deles é a Fantasia sobre O Guarani, baseada na ópera de Carlos Gomes.
O arranjo, publicado no Volume 4 da coleção Violões na Velha São Paulo, se destaca pela concisão e pelo uso eficiente dos recursos do instrumento: acordes encadeados, transições de registro e adaptação melódica com lógica violonística.
Além da Fantasia e da Gavota, há ainda dois manuscritos sem assinatura, mas atribuídos a Silva pela caligrafia: o Hino Nacional Brasileiro, também publicado no volume 4 do Violões na Velha São Paulo e Canción de Cuna, tradicional melodia espanhola.
Feitos talvez para uso didático, talvez para pequenos concertos, eles completam esse retrato de um músico que escrevia, transcrevia e formava — sempre atento ao que se escutava na cidade.

Nem todos os rastros de Leopoldo Silva ficaram em São Paulo. Em 1921, jornais do Paraná registram sua passagem por Ponta Grossa, como parte de uma pequena turnê.
A nota, publicada no jornal A República, revela que ele já vinha realizando audições públicas e particulares, e reforça a ideia de que circulava com desenvoltura entre capitais e interiores.


O trecho faz menção a uma suposta frase dita por Agustín Barrios a respeito de Silva — algo como “você não toca melhor do que eu, mas tão bem quanto eu” — e sugere que os dois teriam se encontrado em São Paulo. A data implícita é 1917, período da primeira visita conhecida de Barrios ao Brasil. Embora não tenhamos localizado, até agora, notícias da passagem de Leopoldo Silva por São Paulo naquele momento, a citação aponta para uma percepção de equivalência artística entre os dois músicos — ou, no mínimo, para o desejo de situar Leopoldo Silva em um patamar de prestígio semelhante ao do violonista paraguaio.


Em abril de 1921, o nome de Leopoldo Silva aparece ao lado de outros importantes violonistas da cidade em uma audição promovida por João dos Santos, realizada no Salão Germânia.

Na mesma noite tocaram João Avelino, Oswaldo Soares e Aristodemo Pistoresi — todos eles com circulação ativa nos clubes, jornais e saraus paulistanos do período. A presença de Leopoldo Silva nesse grupo sugere que ele estava inserido no circuito relevante da prática violonística da capital, mesmo sem ter deixado muitas composições assinadas ou registros pessoais.

Esses eventos mais do que apresentações — eram pontos de contato, de escuta mútua e de afirmação de repertório. Publicar um arranjo, participar de um recital coletivo, ser citado ao lado de Pistoresi — tudo isso indica não só a competência técnica de Silva, mas sua inserção em redes musicais que operavam em várias escalas

Meses depois, em São Paulo, Silva realiza uma audição dedicada à imprensa, no salão da revista A Cigarra — um espaço de prestígio no meio cultural paulistano.
A crítica publicada destaca o caráter sentimental da execução e o entusiasmo do público.



O Correio Paulistano também noticiou esse recital, desta vez informando o repertório apresentado por Silva.
Através dessa fonte que sabemos os títulos das peças compostas por ele, entre elas a valsa que dá nome a este episódio.



De Leopoldo Silva, sabemos pouco. Não conhecemos sua imagem. Não localizamos registros civis, nem mesmo datas precisas de nascimento ou morte.

Sabemos que tocou. Que ensinou. Que publicou. Sabemos de seu traço nos manuscritos, do elogio do paraguaio Agustín Barrios, dos nomes com quem dividiu palco. Sabemos de suas composições. Mas o resto é silêncio.

É justamente esse silêncio que sustenta a escuta — e torna possível, ainda hoje, fazer soar o nome de um músico que, embora pouco registrado pela história oficial, permanece vivo na escuta que se faz com fragmentos — entre ausências, manuscritos e memórias.

A valsa Céu do Paraná, única peça solo localizada de Leopoldo Silva, está disponível na íntegra no Spotify. A gravação foi realizada em um violão histórico, construído por Francisco Pistoresi — instrumento que circulou na São Paulo da época e que agora devolve à peça a sonoridade de seu tempo.

Ouça. Compartilhe. E, se puder, leve esse nome adiante — como quem afina, uma vez mais, a nossa memória.

CRÉDITOS:

Voice-over: Biancamaria Binazzi
Roteiro e narração: Flavia Prando
Dramatizações: Artur Mattar
Trilhas e obras: Vinheta – Sabãozinho, João Avelino de Camargo, Flavia Prando, violão; Recordação de Agustín Barrios, Antonio Giacomino, violão; Crepúsculo, Antonio Giacomino, Flavia Prando, violão, Céu do Paraná, Leopoldo Silva, Flavia Prando, violão,
Mimosa, valsa de Izidoro Bacellar com Antônio Giacomino (solo de violão) em disco Arte-Fone 4037 (matriz 432); O Guarany (Sinfonia) · Turibio Santos · Leandro Carvalho · Carlos Gomes; Gavota  “Tú y Yo” ( Alphons Czibulka ), Matyukhin Mikhail

FLAVIA PRANDO Escrito por:

Violonista, doutora e mestre em Música pela USP e bacharel em Música UNESP. É Pesquisadora no CPF-SESC e atua como regente da Camerata de Violões Infanto-Juvenil do Projeto Guri Santa Marcelina.

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