Episódio 8. Sabãozinho
Sejam muito bem-vindos!
No episódio de hoje, vamos falar sobre o choro Sabãozinho, de João Avelino de Camargo
(São Paulo 27/05/1880 – São Paulo 26/02/1936)
João Avelino de Camargo foi aluno e amigo do paraguaio Agustín Barrios, e as informações sobre sua atuação e trajetória são bastante dispersas. As primeiras notícias nos periódicos sobre ele surgiram no ano 1921, embora seja bem provável que ele tenha iniciado sua atuação anteriormente. Seguindo o mesmo padrão de repertório de seus contemporâneos, mesclava obras clássicas transcritas para o instrumento, peças características e obras de sua autoria.
Apresentou-se no Conservatório Dramático e Musical[1] e na Associação do Rosário Perpétuo do Brás[2]. Em 1924, apresentou-se na União Católica Santo Agostinho, tocando, além da gavota Iole e Una Lagrima, de Sagreras, a mazurca Recordação Saudosa, de Theotonio Gonçalves Côrrea (pai), abordado no segundo episódio do nosso podcast.
Com muito brilho, realizou-se sábado último na sede da União Católica Sto. Agostinho, o festival oferecido às famílias dos associados. A segunda parte do programa se iniciou com três solos de violão pelo professor João Avelino, que interpretou “Recordações saudosas”, “Yole”, de sua composição e “Lágrimas”, de Sagreras, arrancando demorados aplausos da assistência[3.
[1] Correio Paulistano, São Paulo, ano LXII, n. 21.803, 19 mar. 1924, p. 4.
[2] Correio Paulistano, São Paulo, ano LIX, n.20664, 10 jan. 1921, p. 2.
[3] Correio Paulistano, São Paulo, ano LIX, n. 20942, 23 out. 1921, p. 4.
Duas citações sobre Avelino em livros que se restringem ao território musical do choro carioca — “nasceu presumivelmente em São Paulo, por volta de 1870, e deve ter falecido também na capital paulista, lá por 1940”, em citação de Ary Vasconcellos[4] e “violonista de mérito, discípulo do grande Barrios. É de São Paulo. Vive ainda, pesado de anos”[5], em verbete no célebre livro sobre o choro, de Alexandre Gonçalves Pinto, o Animal, nos fazem crer que Avelino frequentava o ambiente musical da então capital federal. Avelino era próximo de João Pernambuco, a quem endereçou uma carta, em 1924, quando se referiu a um período passado no Rio de Janeiro, durante o carnaval daquele ano. O conteúdo da carta é interessantíssimo para o rastreamento da rede de sociabilidades em torno do instrumento:
Caro João Pernambuco:
Desejo-te saúde e bastante disposição para sempre dedilhares o nosso querido pinho! Preciso que você me preste um obséquio que é o seguinte: Quando aí estive, pelo carnaval, o Levino Albano, fez-me presente de uma segunda de aço para violão que junto envio para amostra afim de que o amigo veja se é possível descobrir aí no Rio ou então indagar do Levino onde ele a adquiriu.
Segue hoje para aí, e vai se hospedar no Copacabana Hotel, o nosso Mário Amaral. Você não deixe de ir visitá-lo, pois é um dos melhores artistas do violão, moço distinto e, sobretudo muito gentil. Sei que você, que possui o fogo sagrado de artista, como dizia o nosso Barrios, vai apreciá-lo e muito.
Se não encontrares a segunda igual à amostra, compre-me uma das mais finas e entregue ao amigo Mário Amaral que por obséquio será o portador. Recomende-me aos conhecidos e receba um forte e saudoso abraço.
Do amigo, João Avelino[6]
[6] PRATA, Paulo. João Pernambuco, o Violão Brasileiro: Biografia e retrospectiva artística. Rio de Janeiro: Letras e Versos, 2019, p. 199.
Destaca-se a citação sobre Mário Amaral, personagem abordado no episódio 5. Avelino ainda teve destaque na radiofonia com o grupo Três Sustenidos (1929) e algumas de suas obras sobreviveram, seja pelas gravações do trio, ou através de partituras manuscritas e editadas.
O choro Sabãozinho foi registrado pelo trio Três Sustenidos na fonografia paulistana (1929), pelo selo Brunswick e a gravação é raríssima. O choro recebeu transcrição e arranjo do violonista Edmar Fenício (1942) e é utilizado como vinheta do nosso podcast. Trata-se de uma joia do repertório paulistano, sendo uma bela síntese dos processos culturais em ação naquele momento.
Composto em três partes, ABACA, a primeira parte, em sol maior, é um maxixe, com uma linha de baixo bem marcada e característica do gênero. Já a segunda parte, em ré maior, apresenta uma melodia que remete à música caipira e idiomatismos típicos da viola, com portamentos e sequências de terças, que externam características rurais que resistiam nos hábitos da cidade em rápido processo de urbanização. Na tonalidade de sol menor, a terceira parte exemplifica a grande influência do tango argentino na música brasileira, em um período em que os gêneros populares urbanos estavam ainda em decantação. Sabãozinho é um belo exemplar da música urbana paulista daquele período.
Ouça o episódio completo:
Ouça a peça Sabãozinho no álbum Violões na Velha São Paulo:
Veja no Youtube, a peça registrada em vídeo:
Gostou da peça? Que tal adquirir a partitura?
seja o primeiro a comentar